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Separamos aqui alguns exemplares de deliciosa literatura culinária.

 

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Dinner Party, Samuel WALSH.

Começo de outono, de manhãs cinzentas e garoa persistente. Para ler, não há cenário melhor. Junto com a ressureição dos guarda-chuvas e casacos, vem a saudade dos caldos quentinhos, das panelas fumegantes, do cheiro de bolo assando… Enfim, a nova estação inaugura a temporada de gula tanto nas leituras, quanto na cozinha.

Comer é o primeiro prazer que conhecemos na infância. Talvez seja também, ao final, o último que nos reste. Entre um bocado e outro, a comida e seus múltiplos processos de transformação e preparo exercem um grande fascínio, que ultrapassa em muito a mera necessidade de sobrevivência. Tome por exemplo, os índices de audiência dos reality shows culinários e dos vídeos de receitas. Não precisamos, necessariamente, gostar de cozinhar. Imaginar os pratos e as delicias que poderíamos vir a degustar já é, em si mesmo, um prazer.

Há receituários mais específicos e técnicos, os que exploram exotismos da cozinha étnica e ainda os bem tradicionais, como o bom e velho Dona Benta. Para as situações em que a fome for de alimento não só para o corpo, mas também para a alma, o melhor é apostar em e autores substanciais, que cercam suas receitas e considerações gastronômicas com os sabores de seu talento e personalidade. Separamos aqui alguns exemplares de deliciosa literatura culinária.

AFRODITE NA COZINHA, ISABEL ALLENDE

Em Afrodite na Cozinha,  a chilena Isabel Allende usa suas habilidades de contadora de histórias para falar do amor à comida e da comida do amor. Num tom de “livro de memórias”, “, combina livro de receitas, ruminações sobre o amor erótico e teorização sobre as conexões históricas e biológicas entre alimentos e sedução.

O assunto são os prazeres da carne: a gula e a luxuria. E para discorrer com maestria e autoridade, Allende desenvolveu uma considerável pesquisa e estudo sobre o tema dos afrodisíacos. O resultado foi um texto que inclui tudo, desde comida e bebida a histórias e, claro, o amor. Os leitores encontrarão aqui receitas, poemas, histórias de literaturas antigas e estrangeiras, pinturas, anedotas pessoais, curiosidades fascinantes sobre a arte sensual da comida e seus efeitos sobre o desempenho amoroso, dicas sobre como atrair seu companheiro e reavivar a virilidade, e muito mais. As receitas são da mãezinha septuagenária de Isabel Allende.

“Meus maiores arrependimentos são as refeições que não degustei por vaidade e as paixões que não vivi por pudor”

O HOMEM QUE COMEU DE TUDO, JEFFREY STEINGARTEN

Originalmente publicados na revista Vogue, os artigos que compõe O Homem que Comeu de Tudo  têm como principal ingrediente a personalidade de seu autor. Advogado por formação e crítico gastronômico por profissão, Jeffrey Steingarten é um perfeccionista.

 Com pitadas generosas de humor, ele obcessivamente aperfeiçoa receitas e técnicas de culinária. Escreve sobre o fermento de pão, as frutas, o ketchup, a torta de maçã.  Em suas pesquisas, vai a algum lugar do mundo, observa alguém fazer alguma coisa, então chega em casa e tenta 50 maneiras diferentes de fazer aquilo melhor.

“Retornar obsessivamente a algumas comidas é idêntico a ter fobias de todo o resto. Isso talvez explique a moda da “Comida Confortável”. Mas a meta das artes, culinárias ou de outro tipo qualquer, não é aumentar nosso conforto. Essa é a meta das espreguiçadeiras.”

NÃO É SOPA, NINA HORTA

Sabe aquele papo que acontece na cozinha, já com uma musiquinha de fundo e a taça de vinho na mão, enquanto se prepara um jantar? É esse tom íntimo e gostoso que caracteriza o Não é sopa, de Nina Horta.  As crônicas que compõem o livro, originalmente publicadas na folha de São Paulo, trazem receitas, opiniões, experiências.  Sempre apresentados com humor e despretensão. Uma delícia.

Encanta a brasilidade da fala e dos pratos, que facilita uma identificação imediata com as situações descritas e os pontos de vista da autora. Nina Horta fala sobre o dia-a-dia da rua e cozinha, sobre hábitos daqui e de outras terras, filmes, livros. Os textos são, quase sempre, acompanhados de receitas que dão, de fato, vontade de fazer.

“Cozinhar é um modo de se ligar, de se amarrar a vida com simplicidade. E o bom é que cozinhar é preciso, mas cozinhar bem não é preciso, o que dá um certo grau de alívio e liberdade de movimentos. Aprender a cozinhar é uma questão de atitude, de peito. Mais ou menos como saltar de paraquedas”.

O LIVRO DE COZINHA DO DR. FREUD, HILLMAN E BOER

O Livro de Cozinha do Dr. Freud, magistralmente escrito por James Hillman e Charles Boer, é uma bem humorada paródia que traz Freud reconsiderando sua vida e a Psicanálise sob a perspectiva da primazia da comida sobre a sexualidade. É uma brincadeira, escrita com brilhantismo por de quem conhece a fundo a história do campo “psi”.

Em meio a reminiscências, um Freud ficcional apresenta suas receitas favoritas:  cardápios interruptus, torta edipiana, pequeno hansburger, sublimanduiches, molho narcísico, entre outros. Preparações que, assim como o livro todo, são muito interessantes, mas podem requer um público específico.

Tomates Inconscientes

Coloque alguns tomates amadurecidos numa vasilha. Encha a vasilha com óleo de amêndoas ou nozes (ou, em países menos providos, óleo de amendoim) além de um ramo de alecrim o qualquer outra erva aromatizante. Sele completamente a vasilha. Ela, como o inconsciente, deverá ser guardada num lugar bem escuro. De qualquer forma, procure acondicioná-la num canto que possa ser frequentemente examinado. Enquanto os tomates estiverem em conserva, pense numa forma de utilizá-los, um dia. Será preciso aproveitá-lo antes que o óleo fermente – e isso, eu asseguro, acontecerá! Preocupe-se! A preocupação aliás é um sinal positivo de que seu inconsciente ainda está funcionando.

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O projeto Ressonâncias acredita no compartilhamento de ideias. Caso alguma informação lhe seja útil, por favor, nos deixe um recado (vamos ficar muito contentes!) e não se esqueça de obedecer as normas da ABNT. Neste caso, coloque assim:

LIMA, A. A. Leituras para Alimentar Corpo e Alma, 2017. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/leituras-para-alimentar-corpo-e-alma>. Acesso em: dia/mês/ano.

Comments(2)

  • Maria Luiza vieira fava
    2 de abril de 2017, 22:09

    Sempre acrescenta muito ao q conhecia do tema. Só tinha lido dois dos livros citados. Adorei as dicas de outros, com respectivos comentários . Comida e cozinha tem tudo a ver com o fazer psi: pura transformação!
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    • Andrea
      2 de abril de 2017, 22:20

      São, de fato, livros muito especiais! Que bom que você gostou! Beijos;