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O amor sempre foi um problema. Continuamos confiando ao eventual encontro do ser amado a responsabilidade pelo nosso “felizes para sempre”.

 

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Nigel Van Wiek, The Q Train, 1990.

Dizer que relações amorosas são complicadas é ser redundante. O amor sempre foi um problema. Hoje em dia, no entanto, com os avanços na posição social da mulher e com as tradições familiares e religiosas mais flexíveis, temos menos entraves para a livre experiência de encontros e paixões. Era para estar mais fácil, mas não parece ser o que acontece. As pessoas continuam se sentindo dolorosamente confusas, isoladas e vulneráveis.

Analisando as metamorfoses da experiência amorosa, em especial a partir da revolução sexual das décadas de 1960 e 1970, o filósofo Pascal Bruckner aponta a complexidade do nosso tempo: os efetivos avanços nos costumes e regras de conduta têm cobrado um alto preço e revelado novos impasses.  O cenário descrito não é animador: dificuldades dos casamentos, a fragilidade dos vínculos, a efemeridade dos romances e a firme disposição de cada um de não abrir mão do seu quinhão de independência e felicidade.

Ainda assim, continuamos confiando ao eventual encontro do ser amado a responsabilidade pelo nosso “felizes para sempre”.  Em O Paradoxo Amoroso, Bruckner formula assim a questão: “Se existe um sonho moderno (velho como o mundo, mas hoje amplamente difundido), ele está contido inteiramente nesta dupla aspiração: usufruir da simbiose com o outro, porém permanecendo dono da própria vida.”

par“Somos livres, na democracia ao menos, para amar quem quisermos, para optar pela sexualidade de nossa escolha, mas chega um momento em que é preciso correr o risco do outro que vai abalar nossas expectativas, que vai nos libertar do triste tête-a-tête com nós mesmos. A independência não é a última palavra do homem, é o que nos diz o amor com sua fé cega no outro: e, assim, a pior desgraça sobre a Terra é o desaparecimento das pessoas que nos são caras, sem as quais a vida não tem sentido nem sabor. Contudo, o amor não é a última palavra do destino humano se ele significar tédio e infelicidade, é o que nos diz o individualismo. Não cessamos de nos debater entre essas duas injunções, de confundir a liberdade de escolha amorosa, imenso progresso, com a escolha da liberdade individual. […] Em suma, como crianças grandes, queremos tudo e o inverso de tudo: continuar unidos sem nos ligar a ninguém.”

Exigimos tudo do amor. Entre as transformações experienciadas hoje em dia, há muitas conquistas e também numerosos tropeços. Ante aos fracassos, nos vemos tentados a buscar uma solução ou uma absolvição por amar como amamos. Mas o Paradoxo do Amor é exatamente isso: um paradoxo! Uma proposição aparentemente contraditória, mas que, apesar de tudo, encontra seu sentido na própria natureza rebelde de nossas paixões. As sociedades podem se transformar, mas, como conclui Bruckner, o sentimento amoroso sempre foi e continuará sendo ambíguo. Não há progresso no amor.

“O amor não é nenhuma doença, ele é exatamente o que deve ser em cada instante, com seus abismos e seus esplendores. Continua sendo a parte da existência que não dominamos, avesso a qualquer enquadramento, refratário às ideologias. Não o salvaremos das feridas que o afetam, das exclusões que pratica: ele permanece impuro, feito de ouro e lama, um encantamento ambíguo. Apaguem a ambiguidade, matarão o encantamento”.

“Amamos tanto quanto podem os homens amar, ou seja, imperfeitamente”.

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LIMA, A. A. Entre pertencimento e independência: Pascal Bruckner sobre o paradoxo do amor. 2017. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/entre-pertencimento-e-independencia-pascal-bruckner-sobre-o-paradoxo-do-amor>. Acesso em: dia/mês/ano.