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ENTREVISTAS

Esta entrevista foi concedida por Andrea de Alvarenga Lima para a Revista Graciosa (GCC), na edição de Natal de 2012.

PARA UM FELIZ NATAL

Relacionado à esperança de renovação, originalmente festejando o retorno da luz como uma dádiva da vida, o natal independe de tradição religiosa, mas chama a todos para um sentimento comum.  

Para muitos, o natal é um momento mágico. Para outros, fonte de estresse e tristeza. E você? Como é o seu espírito natalino? A Mestre em Psicologia pela UFPR, com especialização em Psicologia Analítica e formação em Psicologia e História, Andrea de Alvarenga Lima, aproveita sua experiência na psicologia clínica e como pesquisadora para nos ajudar a refletir sobre o assunto, com exclusividade para a Revista Graciosa.

RG: Quando o famoso espírito natalino começa a agir na mente das pessoas?

AAL: O aspecto mais discutido do espírito natalino atualmente é a forma como a tradição familiar e o simbolismo religioso tem sido eclipsado pelo consumo. Para muitos, um feliz Natal significa, como ensina o varejo: comprar, comprar e comprar. Para azeitar o comércio, vale montar o cenário o quanto antes. O mar de Papais Noeis, sinos, árvores e luzes cintilantes que compõe esta versão “shopping center” do Natal.

No sentido arcaico, muito rico em termos psicológicos, a comemoração natalina se relaciona com a esperança de renovação que ressurge depois das provações dos escuros e rigorosos dias de inverno. Independentemente de fazermos ou não parte de uma tradição religiosa, quando nos conectamos a esse espírito natalino mais fundamental, de forma autêntica e profunda, é Natal sempre que a gente quiser.

RG: Quais os efeitos dele na maioria das pessoas?

AAL: De forma geral, o termo “espírito natalino” é usado para indicar sentimentos positivos suscitados pela festa: gratidão pelas conquistas acumuladas no ano que passou, alegria pelo reencontro e convívio íntimo com família e amigos, generosidade para com os próximos e para com os necessitados, etc. A possibilidade de vibrar nesta frequência, de ser envolvido por este espírito, é o grande encanto do Natal.

Fácil constatar, no entanto, que, na maior parte do tempo, por mais desejáveis que sejam tais efeitos do Natal em nós, não é isso bem que vivemos.  Muitas pessoas, por diferentes motivos, ficam extremamente tensas e ansiosas, algumas entram em depressão, outras ficam irritadas e frustradas por não conseguirem fazer tudo o que gostariam a tempo. Neste cenário, a desconsideração dos limites econômicos e físicos é frequente e pode trazer consequências graves tanto para as finanças quanto para a saúde.

GR: Como lidar com o estresse do final de ano?

AAL: As tarefas e compromissos que assumimos no período do Natal podem ser causa de muito estresse. E, quanto mais estressados, mais difícil fazer o que é necessário: parar e refletir sobre o que está acontecendo em nossas vidas e quais as implicações disso para o futuro.

Importante lembrar que nem todo o estresse é negativo. Quando estamos realmente motivados em alguma direção, ficamos submetidos a fortes tensões e isso nos possibilita testar nossos limites e também buscar nosso lugar no mundo. Preparar uma festa para aqueles que amamos pode ser um gesto profundamente amoroso e criativo, ainda que demande esforço e traga um tanto de caos a nossas rotinas.

Existem situações, no entanto, em que o estresse é indicador de um descompasso das  relações consigo mesmo e com o mundo. Dores de cabeça, modificação nos padrões de sono e apetite, agitação e ansiedade são sintomas físicos frequentes nestes casos. Também são característicos os sentimentos excessivos ou inapropriados de culpa, a irritabilidade, a diminuição da atenção ou da clareza do pensamento e a diminuição do interesse em atividades costumeiramente prazerosas, como comida, sexo, trabalho, amigos e lazer.

RG: É possível aproveitar somente o melhor do espírito natalino?

AAL: Vivemos numa sociedade que apresenta, de forma mais ou menos declarada, um ideal de perfeição. Para aproveitarmos mais o Natal, ou qualquer outra coisa, pode ser necessário descartemos o desejo de perfeição e atribuamos mais valor àquilo que está efetivamente lá, a nossa disposição. Trata-se de lidar com o que existe, não com o que gostaríamos que existisse.

RG: Como lidar com lembranças negativas que porventura envolvam a data?

AAL: O Natal é um tempo propício a reflexões retrospectivas. É natural que as experiências que se teve na vida se façam lembrar e é natural sentir tristeza.

Às vezes, no entanto, a recordação de membros da família que não estão mais presentes ou as reminiscências de momentos trágicos da vida podem suscitar emoções muito fortes e dolorosas. Procurar uma pessoa de confiança com quem conversar sobre estes sentimentos é um movimento que pode trazer alívio e também a sensação de não estar isolado do contato humano. Penso que o maior desafio é abandonar a idéia de que a vida deve ser sempre alegre. Os eventos que marcaram minha história, ainda que eu os considere negativos, fazem parte de quem eu sou.

RG: Qual a relação entre espírito natalino e a prática de alguns valores?

AAL: A essência do Natal é que a vida é generosa e se renova de forma miraculosa e inesperada. Na proporção em que pudermos nos colocar internamente em consonância com essa amorosidade universal, nossas ações se alinharão com os principais valores humanos: o amor, que inclui a alegria, a compaixão, a generosidade e o cuidado; a verdade, que é o amor traduzido em palavras; a conduta correta, que o amor traduzido em ações; a paz, que é o amor no pensamento; e a não violência, que é uma compreensão amorosa do mundo.

Ninguém passa pela vida ileso. No entanto, quanto mais abertos conseguirmos estar para o mistério da vida, mais a compaixão toma o lugar da desconfiança e do medo, e com maior facilidade, autenticidade e criatividade praticamos o verdadeiro Natal.

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LIMA, A. A. Entrevistas, 2016. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/entrevistas>. Acesso em: dia/mês/ano.