Loading...

Fazer o bem é algo que se pode aprender

.

Imagem originalmente publicada no site challenges.fr

Com doze meses a nossa frente, difícil não acreditar que 2017 trará oportunidades de inventar formas mais íntegras, pacificas e tolerantes de viver neste mundo. Para o filósofo André Compte-Sponville, autor do Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, a melhor estratégia individual é colocar a ênfase, não em ser bom (identificar-se com o bem em si, além de hipócrita, é muito chato), mas no esforço em fazer o bem. Isso porque fazer o bem é algo que se pode aprender.

            Sponville destaca uma dificuldade: na pedagogia das boas ações, a transmissão se dá exclusivamente através da vivência e do exemplo. De pouco adianta teorizar na falta ambos. Pensar sobre virtudes não nos torna melhores. O objetivo que justificaria, então, nos dedicarmos à leituras como livro de Compte-Sponville, é refletir sobre o que deveríamos estar fazendo, ou sendo, ou vivendo para compreender, nem que seja só intelectualmente, a distancia a que nos encontramos destes ideais (o que já é, por si só, uma chance de experenciar a humildade).

            As virtudes, explica o Tratado, não são dons naturais, mas um esforço na direção de fazer o bem. Nestes nossos dias, em que a relativização dos valores é simultânea à radicalização de posições, é bem vinda uma pausa para considerar qual o lugar em nossas vidas para fatores como boa–fé, tolerância, pureza, gratidão, fidelidade, etc.; e, talvez, quais esforços práticos seriam benéficos ou possíveis no nosso caso particular. “O bem não é para contemplar, é para fazer”, alerta Compte-Sponville.

            Não se aprende a ser bom de uma hora para outra, nem, parece lógico, são todas as virtudes igualmente boas. Difícil não pensar a prudência como menos nobre que a generosidade, por exemplo. Além disso, algumas virtudes são pré-requisito ou treinamento para outras. Segundo a ordem do tempo, a primeira e, consequentemente, a mais infantil e superficial delas, é a polidez. Pela polidez podemos, sempre, começar.

pequeno-tratado-das-grandes-virtudes“Entre um homem perfeitamente polido e um homem benevolente, respeitador, modesto…, as diferenças em muitas ocasiões são ínfimas: acabamos nos parecendo com o que imitamos e a polidez leva pouco a pouco – ou pode levar – à moral.  Todos os pais sabem disso, e é o que chamam educar seus filhos.[…] O amor não basta para educar os filhos, nem mesmo para torná-los amáveis e amantes. A polidez também não basta, e é por isso que um e outra são necessários. Toda a educação familiar situa-se aí, parece me, entre a menor das virtudes, que ainda não é moral, e a maior, que já não é.” (p. 18)

       Através da polidez internalizamos uma fórmula, um código a partir do qual podemos, dadas as condições adequadas de temperatura e pressão, desenvolver uma disposição para, de fato, sermos mais respeitosos, justos, gratos. Resta entender que condições são estas.

       Segundo a filosofia de Comte-Sponville,  existem dois os caminhos possíveis para alcançar tal transformação. O primeiro é o caminho do domínio da própria vontade e da consciência do dever ante ao outro. Ele indica buscar diligentemente ser fiel ao que é verdadeiro, transpor os próprios medos e resistir corajosamente às injustiças, antes de tudo àquelas que trazemos em nós. Através da autodisciplina e esforço, os valores morais vão sendo vividos, transformados em ato, encarnados.

Se o primeiro caminho é escolha, o segundo é graça: é o percurso do amor. Fácil compreender que o amor não é um dever. Ninguém ama porque deve, ama porque ama. E, porque ama, aceita, acolhe, perdoa.

“Só precisamos de moral em falta de amor. Mas só somos capazes de moral, e só sentimos esta necessidade, pelo pouco de amor, ainda que a nós mesmos, que nos foi dado, que soubemos conservar, sonhar ou reencontrar…”

            “Agir bem é, antes de mais nada, fazer o que se faz (polidez), depois o que se deve fazer (moral), enfim, às vezes, é fazer o que se quer, por pouco que se ame (ética). Como a moral liberta da polidez consumando-a (somente o homem virtuoso não precisa agir como se o fosse), o amor, que consuma por sua vez a moral, dela nos liberta: somente quem ama não precisa mais agir como se amasse.” (p. 244)

__________________________________________

O projeto Ressonâncias acredita no compartilhamento de ideias. Caso alguma informação lhe seja útil, por favor, nos deixe um recado (vamos ficar muito contentes!) e não se esqueça de obedecer as normas da ABNT. Neste caso, coloque assim:

LIMA, A. A. André Comte-Sponville e a pedagogia do bem , 2017. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/andre-comte-sponville-e-a-pedagogia-do-bem>. Acesso em: dia/mês/ano.