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O que pode levar a perguntar “de onde vem o medo?” é o impulso de fazer alguma coisa a esse respeito.

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Pintura de FEARS, Alan.

O pensamento de Zygmunt Bauman é terapêutico. Não é necessário frequentar os consultórios de Psicologia, ainda que daí se tenha uma perspectiva privilegiada da questão, para saber que a atenção cuidadosa dedicada a um tema promove uma transformação.

Em Medo Líquido, Bauman se propõe a trazer à tona os medos mais insidiosos da sociedade contemporânea e investigar sua constituição, dinâmica e usos. O tom do texto é sombrio? Muitas vezes. Ainda assim, o efeito curativo se encontra embutido no próprio questionamento, porque o que pode levar a perguntar “de onde vem o medo?” é o impulso de fazer alguma coisa a esse respeito. “Pensar sobre” é um ato revolucionário. A proposta de Bauman, aqui, é fazer

“um inventário dos medos líquido-modernos. É também uma tentativa (muito preliminar, mais rica em perguntas do que em respostas) de procurar suas fontes comuns e os obstáculos que se acumulam no caminho de sua descoberta, e de encontrar maneiras de colocá-los fora de ação ou torná-los inofensivos.”

Bauman fala do medo da morte e da exclusão social; do mal produzido pelo outro e do mal escondido em nós; medo do que não podemos prever ou controlar; das catástrofes pessoais e globais. É verdade que, de tempos em tempos, sofremos e voltaremos a sofrer medos biológicos ou culturais, agudos ou endêmicos. Mas, como o próprio autor coloca, “saber que este mundo é assustador não significa viver com medo – pelo menos não 24 horas por dia, sete dias por semana”. Estratégias cotidianas são discutidas no texto, algumas mais outras menos bem sucedidas.

Na análise de nossas ansiedades e temores, Bauman exemplifica, descreve, conversa com tradição de pensadores que o precedeu. Não toma atalhos e também não oferece receitas. A aposta esperançosa é na capacidade de refletir sobre a vida e viver de forma ponderada. É um exercício de busca de sentido.

“As oportunidades de ter medo estão entre as poucas coisas que não se encontram em falta nesta nossa época, altamente carente em matéria de certeza, segurança e proteção. Os medos são muitos e variados. Pessoas de diferentes categorias, etárias e de gênero são atormentadas por seus próprios medos; há também aqueles que todos nós compartilhamos – seja qual for a parte do planeta em que possamos ter nascido ou que tenhamos escolhido (ou sido forçados a escolher) para viver. O problema, porém, é que esses medos não fazem sentido facilmente.” (p.31)

Pela forma continua e aleatória em que são experimentados, nossos temores são difíceis de compreender e provocam um aterrador sentimento de impotência. Para além disso, no entanto, eles “não fazem sentido” de ainda outra maneira. Frequentemente, nossos medos mais íntimos são surpreendentemente semelhantes aos que assombram as multidões. São inseguranças que enfrentamos individualmente, mas que têm suas raízes no solo coletivo. Pensar a realidade coletiva e olhar, com Bauman, “a floresta por trás das árvores” possibilita entrever novas estratégias pessoais e comunitárias.

Refletir sobre o medo pode dar algum contorno a esse sentimento e buscar suas raízes pode indicar por onde começar a agir. “O único início promissor de uma terapia contra o medo crescente e, em última instancia, incapacitante é compreende-lo, até o seu âmago”, propõe Bauman.

“Bizarro, embora muito comum e familiar a todos nós, é o alívio que sentimos, assim como o súbito influxo de energia e coragem, quando, após um longo período de desconforto, ansiedade, premonições sombrias, dias cheios de apreensão e noites sem sono, finalmente confrontamos o perigo real: uma ameaça que podemos ver e tocar. Ou talvez essa experiência não seja tão bizarra quanto parece ser se, afinal, viermos a saber o que estava por trás daquele sentimento vago, mas obstinado, de algo terrível e fadado a acontecer que ficou envenenando os dias que deveríamos estar aproveitando, mas que de alguma forma não podíamos – e que tornou nossas noites insones… Agora que sabemos de onde vem o golpe, também sabemos o que podemos fazer, se há algo para fazer, para afastá-lo – ou pelo menos aprendemos como é limitada nossa capacidade de emergir incólumes e que tipo de perda, dano ou dor seremos obrigados a aceitar.” (p. 07)

Pintura e esculturas do artista Alan FEARS.

www.alanfears.com

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LIMA, A. A. Bauman e o pensamento contra o medo , 2017. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/bauman-e-o-pensamento-contra-o-medo>. Acesso em: dia/mês/ano.

Comments(2)

  • Fernanda
    17 de janeiro de 2017, 17:33

    Estou adorando. Beijos.

  • Elizabeth Sandoval
    20 de janeiro de 2017, 11:49

    Muito bom, amplia com seriedade e eficiência conhecimentos profundamente necessários, especialmente em nossos dias.