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“Toda nova mídia revela um inconsciente”.  Byung-Chul Han

 

 

 

 

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Imagem: Selfie em Espelho Hex, de Anish KAPOOR.

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Navegamos num mar de timelines, redes sociais, apps e smartphones. A cada dia, fica mais evidente o impacto da presença das tecnologias digitais no nosso dia a dia. Por um lado, sentimos nitidamente que, mediados pelas engenhocas contemporâneas, mudaram não só nosso comportamento e nossas percepções, como também nossos pensamentos e a forma como nos relacionamos. Por outro, no entanto, as mudanças ocorreram tão rápido, que ainda é difícil discernir as consequências dessa revolução digital que estamos experimentando. Para esse território, ainda não foram construídos mapas confiáveis.

Se é impossível resistir a essa onda tecnológica, seria interessante se o mergulho não fosse tão às cegas. Neste contexto, os ensaios reunidos em No Enxame: Perspectivas do Digital, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, refletem sobre a vida na era digital e ajudam a detectar alguns de seus componentes inquietantes. Reproduzimos a seguir, cinco trechos significativos dos argumentos de Byung-Chul Han.

no enxame capaSupressão do “outro”

Por causa da eficiência e da comodidade da comunicação digital, evitamos crescentemente o contato direto com pessoas reais, e mesmo o contato real como um todo. A mídia digital leva o contraposto real cada vez mais para o desaparecimento. Ela o registra como resistência. Desse modo, a comunicação digital se torna cada vez mais sem corpo e sem rosto. O digital submete a tríade lacaniana do real, do imaginário e do simbólico a uma reconstrução radical. Ele desconstrói o real e totaliza o imaginário. O smartphone funciona como um espelho digital para a nova versão pós-infantil do estágio do espelho. Ele abre um espaço narcísico, uma esfera do imaginário na qual eu me tranco. Por meio do smartphone o outro não fala.” (p.45)

Sem distância e sem respeito:

“No trato respeitoso com os outros, controlamos nosso observar curioso. O respeito pressupõe um olhar distanciado, um pathos da distância. Hoje ele dá lugar a um ver sem distância, característico do espetáculo. O verbo latino spectare, ao qual o espetáculo remonta, é um olhar voyeurístico, ao qual falta a consideração distanciada, o respeito (respectare). A distância distingue o respectare do spectare. Uma sociedade sem respeito, sem o pathos da distância, leva à sociedade do escândalo.” (p. 11)

Perda da alma:

“A nova massa é o enxame digital. Ela apresenta propriedades que a distinguem radicalmente da clássica formação dos muitos, a saber, da massa. O enxame digital não é nenhuma massa porque, nele, não habita nenhuma alma (Seele], nenhum espírito [Geist]. A alma é aglomerante e unificante. O enxame digital consiste em indivíduos singularizados. A massa é estruturada de um modo inteiramente diferente. Ela revela propriedades que não podem ser referidas aos indivíduos. Os indivíduos se fundem numa nova unidade, na qual eles não tem mais um perfil próprio. Um aglomerado contingente de pessoas ainda não forma uma massa. É primeiramente uma alma ou um espírito que os funde em uma massa fechada e homogênea. Uma alma de massa ou espírito de massa falta inteiramente ao enxame digital” (p.27)

Declínio do pensamento e da narrativa:

“Também o pensamento em sentido enfático não é uma categoria do digital. Ele dá lugar ao calcular. Os passos aritméticos apontam para um modo de proceder inteiramente diferente do pensar. Eles são protegidos contra surpresas, rupturas ou acontecimentos. Também a verdade hoje soa anacrônica, em vista da transparência (digital). Ela vive na negatividade da exclusão. Com a verdade se põe, no mesmo movimento, a falsidade. Uma decisão produz o verdadeiro e o falso ao mesmo tempo. Também a dicotomia de bom e mal se baseia nessa estrutura narrativa. Ela é uma narrativa. Diferentemente da verdade, a transparência não é uma narrativa. Ela torna, de fato, translúcido, mas ela não é esclarecedora. A luz, em contrapartida, é um médium narrativo. Ela é direcionada e direciona. Assim ela aponta caminhos. O médium da transparência é a radiação sem luz. (p 91)

 Aumento das formas espectrais e virais:

“A internet das coisas produz novos fantasmas. As coisas, que antigamente eram mudas, começam, agora a falar. A comunicação automática entre as coisas, que ocorre sem qualquer intervenção humana, fornecerá novo sustento para fantasmas. Ela é como que conduzida por mãos fantasmagóricas. […] A comunicação digital toma não apenas forma espectral, mas também viral. Ela é contagiante na medida em que ocorre imediatamente em planos emocionais ou afetivos. O contágio é uma comunicação pós-hermenêutica, que não dá verdadeiramente nada a ler ou pensar. Ela não pressupõe nenhuma leitura, que se deixa acelerar apenas de maneira limitada. Uma informação ou um conteúdo, mesmo com significância muito pequena, se espalha rapidamente na internet como uma epidemia ou pandemia. Nenhuma outra mídia é capaz desse contágio viral. A mídia escrita é lenta demais para isso.” (p.97)

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LIMA, A. A. A vida digital e suas sombras. 2018. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/a-vida-digital-e-suas-sombras>. Acesso em: dia/mês/ano.