O tecido da vida não tem trama uniforme. Existem momentos em que se tem a consciência de estar, naquele exato instante, participando de algo excepcional, que será inesquecível. São experiências raras, mas familiares, que abrem portas para um estado de ânimo que ainda não sabemos nomear, mas que sentimos que nos é essencial.

A dificuldade de dar nome a essas experiências existe por que elas assumem as formas mais diferentes. Pode acontecer em meio as atividades rotineiras: no contato com a natureza, fico repentinamente emocionada pela beleza de um pôr-do-sol ou pelo perfume da terra molhada de chuva. Ao observar o riso de minhas filhas, por um momento o mundo para, e estou cheia de alegria. Pode acontecer de uma música, particularmente bem tocada, fazer com que minha pele se arrepie e a agitação interna silencie. Há um breve sentimento de realização interior e, graças a ele, a vida parece ter mais sentido. O filósofo búlgaro Tzvetan Todorov se refere a estas vivencias como a “experiência do absoluto”:

“Em momentos abençoados como este de que falo, não aspiramos mais a um além – já estamos nele. Ignoramos estar a procura desse estado; porém, quando chegamos a ele, reconhecemos a sua importância vital: esse momento de arrebatamento corresponde a uma necessidade imperiosa. É mais do que um prazer ou mesmo uma felicidade, pois esses atos me fazem pressentir de forma fugidia um estado de perfeição, ausente em outro instante qualquer”.

Em A Beleza salvará o mundo. Wilde, Rilke e Tsvetaeva: os aventureiros do absoluto, Todorov fala sobre necessidade de plenitude como uma disposição humana universal. Durante muitos séculos, essa aspiração foi direcionada, quase que exclusivamente, às experiências religiosas. Hoje em dia, no entanto, ganham espaço e reconhecimento público outras vias de acesso a esse “local de plenitude”, que tentam viver e refletir sobre o absoluto de forma mais individual.

“Não queremos renunciar à relação com o sagrado (ou infinito, ou o sublime), mas não aceitamos que ele nos seja imposto por nossa sociedade; preferimos procurá-lo então no próprio interior de nossa experiência em vez de buscá-lo num código coletivo.”

Uma dessas formas mais individuais de viver o absoluto é a busca da Beleza. Para entender como viver o absoluto através do belo, Todorov examina e interroga a vida de três grandes serviçais da beleza em sua forma literária: Oscar Wilde, Rainer Maria Rilke e Marina Tsvetaeva.  Três grandes autores que tiveram destinos para lá de complicados e não muito felizes, mas que afirmaram com vigor a beleza do mundo e da vida. Não se trata do relato de vidas triunfais, mas da reflexão sobre a distância que separa sonho de realidade, projeto de vida real.

A questão fundamental, para Todorov e para nós, é como ordenar a vida de forma que ela possa ser experimentada como harmoniosa e de forma que seus ingredientes (sempre tantos e tão caóticos) formem um todo inteligível. Para descobrir a beleza dessa existência, diz Todorov, não é necessário produzir ou consumir arte. O fundamental é aprender a iluminar o real com o imaginário e tentar dar ao cotidiano uma forma harmoniosa.  Fazer da vida uma arte.

“Ao que se assemelha, para cada um, essa via de realização interior? Cabe a cada um descobrir: a era das respostas coletivas foi ultrapassada, mesmo que o indivíduo possa esperar que os outros, em torno dele, compreendam e compartilhem de sua escolha. Mas já se pode dizer que, para atingir essa beleza ou essa sabedoria, não é necessário escrever ou ler livros, pintar ou admirar quadros, assim como também não se devia orar a Deus ou se prostrar diante de ídolos, construir a cidade ideal ou combater seus inimigos. Pode-se fazê-lo contemplando o céu estrelado”.