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“Eu era todos os personagens na minha peça. Aprendi a seguir por todos os caminhos. E assim tornei-me eu mesma.” Charlotte Salomon.

 

 

 

 

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Charlotte, SOLOMON, Autoretrato, 1940.

Unknown-1A alma da História (escrita assim, com letra maiúscula) não é dada pelos fatos. Os fatos, em si mesmos, têm relevância muito relativa e só ganham vida e significado através através da sensibilidade do olhar do narrador. No romance biográfico Charlotte, do francês David Foenkinos (1974 –  ), ao horizonte absurdo da perseguição nazista aos judeus, dois vigorosos relatos se sobrepõem e amplificam. Do primeiro, a monumental auto-biografia gráfica/literária/musical composta por Charlote Solomon em 1942, vem a inspiração e justificativa do segundo, o delicado romance/poema contemporâneo escrito por Foenkinos.

A trajetória de Charlotte Solomon (1917-1943) foi curta e decididamente trágica: uma pintora judia alemã, extremamente talentosa, que morre grávida, aos 26 anos de idade, em Auschwitz. Enquanto vivia como refugiada do nazismo em Villefranche, na Riviera Francesa, fez uma descoberta surpreendente: oito membros da família, um por um, ao longo dos anos, se suicidaram. Num contexto coletivo desesperador em face a esta revelação particularmente traumática, a reação de Charlotte foi uma extraordinária febre criativa.  Um esforço “excêntrico e louco” que, entre 1941 e 1942, deu origem a mais de 1300 desenhos e sketches, que foram organizados em atos e cenas de uma obra de arte autobiográfica composta de mais de setecentas cenas, enriquecidas por diálogos, monólogos e referências musicais.  A seu primoroso projeto de autorelato multimídia, nada menos que uma obra prima, chamou “Vida? Ou Teatro? Uma opereta”.

Setenta anos mais tarde, a vida e obra de Charlotte são recontadas e vibram, em toda a sua dramaticidade, no texto de Foenkinos. Frases curtas e econômicas, que se sucedem com força. Uma narrativa que ultrapassa imaginativamente a realidade e apresenta seu objeto sob a delicada e subjetiva luz da emoção. O imenso sucesso editorial da obra na Europa, neste caso, é muito justificado.

Ao compartilhar com o leitor seu fascínio pelo talento e pela potência de expressão de Charlotte Salomon, Foenkinos faz muito mais que simplesmente apresentar uma biografia. A admiração apaixonada que transparece em seu texto torna a leitura de Charlotte uma experiência contagiante que, como poucas, sensibiliza para a magnitude da arte como resiliência e como transcendência.  Com Charlotte, nos deparamos, de forma singularmente comovente, com a surpreendente capacidade humana de rebelar-se contra a própria destruição e, através do esforço criativo, cumprir um destino que transcende a vida pessoal.

Com o fim da guerra, a obra de Charlotte Salomon foi descoberta no sul da França e, em 1971, doada por seus familiares ao Museu Histórico Judaico. Em comemoração aos 100 anos do seu nascimento da artista, foi organizada no Museu Histórico Judaico de Amsterdã uma exposição dedicada ao seu extraordinário legado artístico: a obra “Vida? Ou Teatro?”.  Acesse AQUI a integralidade da obra de Charlotte Solomon, disponibilizada on line pela primeira vez esse ano, pelo Museu Histórico Judaico de Amsterdã.

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LIMA, A. A. Charlotte, de David Foenkinos: um tributo à resiliência através da arte. 2017. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/charlotte-um-tributo-a-resiliencia>. Acesso em: dia/mês/ano.